Sou um mabembe da Londres do século XIX, paradoxalmente transgressor como Niemeyer, andando ao som de uma rabeca sertaneja parisiense, com um ar de fotógrafo pós-moderno, que se comporta como a torre de Piza.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Último ato

Fecham-se as cortinas, a platéia se cala.
Sai de cena o poeta junto à prepotência,
E vai sua poesia enroscada na demência.
Entra em cena o doente, a dor propala:

Mesmo que meu corpo ao bolor se curve,
Que o canto esvaia abafado e incorreto
E o rebento perante o amor se turve,
Quero que seja o último ato, o ato certo.

Que eu me mate num gesto de estrelismo.
Mas antes do verme debicar o agre gosto
E a vida finar-se em seu singular mutismo,

Que seja da eternidade o último abraço,
Uma lágrima sincera caia-me sobre o rosto
E meus versos cruzem o tempo-espaço.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Engenharia Reversa

O marceneiro talha a forca e o berço,
O químico concebe o veneno e a cura,
O vigário que beatifica, desconjura.
E a mão que iça a lança, reza o terço.

A sombra que traz o medo dá o abrigo.
No azul que cobre o céu cruza o fogo,
Do chão que brota o verme vem o trigo
E a mão que dá as cartas, finda o jogo.

O mesmo Deus que perfilha, ignora.
A poesia que transcorre se desgasta
E a palma que se cerra, nos implora.

A mão que dá o nó arquiteta o corte,
A que diz de amor, ergue a vergasta
E a que conta a vida, versa a morte.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Inversão dos Papéis.


Hoje te quero nua, poesia!
De peito e pernas abertas,
Passiva, boquinha fechada,
E uma rosa entre os dentes.

Quero assim, apaixonada.
Com o sorriso no rosto,
Como o desejo do gozo,
Coberta de flores e ramas.

Não me diga de amores,
De mágoas ou dramas.
Venha branda, branca,
Sem métrica e escansões.

Quero sem nenhuma rima!
E que se dane a estética,
A tétrica, a obra prima,
E outras entonações.

Te quero de feitio simples.
De olhar relampejado,
Covinha na bochecha
E um sinal na buceta.

Não me diga de ontem,
De mim ou de outrem.
Faz cara de misteriosa,
De astuta, de jocosa!

Te quero no céu da língua,
Na ponta dos meus dedos,
No meio dos meus erros,
Fazendo parte da bagunça.

Te quero num só close
Dando a cara à tapa,
Lambendo da raspa
Mas sem perder a pose.

Te quero sem rótulos,
Despudorada, sem ética,
Sem bancar a hermética
Ou dar de moça dengosa.

Te quero assim, poesia,
Deitada na minha cama,
Pra eu te chamar de vadia
E fazer uma prosa gostosa.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Viagem.

Vou cedo, pois tudo na vida me veio tardio.
O peito amarrotado no fundo da bagagem,
O cigarro no terno, quiçá um amor vadio,
Façam menos intempestiva essa viagem.
.
Largarei por terra meus dolos no jaleco,
Meus doces sonhos ao portuga da padaria,
A poesia indecorosa à puta do boteco
E a espada vazada no ventre da covardia.
.
Vou cedo, porque tenho medo do acaso.
O que não veio tarde, que já não me venha,
E que não venha a puta, senão eu caso!
.
Vou com pressa, e juro que irei sem medo
Com uma chama de dar inveja em lenha,
Mas não sem antes eu me apontar o dedo.
.
Jairo Alt

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Valsa maldita.

Eis-me aqui, no rodopiar eterno,
Bailando trôpego com o par errante.
Eis-me, outra vez, de passo incerto,
Sendo no vórtice louco, a variante.

Eis-me entregue como na orgia
Ao que volve lenta essa música.
Eis-me na dor, como na poesia
E na valsa como se fosse a única.

Eis-me cego ao que me consome.
Taciturno ao que me ensurdece.
Leso, sem ouvir da valsa o nome.

Eis-me distante como quem evita,
O Par, a dança, a música e a prece.
Eis decerto, minha valsa maldita.

Jairo Alt